APARIÇÕES

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APARIÇÕES


Ela se chamava Catarina, ou Zoé, para os mais íntimos. Sua maior alegria era levar a ração diária para a multidão de pombos que habitava a torre quadrada do pombal de sua casa. Ao avistarem a camponesinha, as aves se lançavam em direção a ela, envolvendo-a, submergindo-a, parecendo querer arrebatá-la e arrastá-la para as alturas. Cativa daquela palpitante nuvem, Catarina ria, defendendo-se contra as mais afoitas, acariciando as mais ternas, deixando sua mão deslizar pela brancura daquelas macias penugens. Durante toda a vida, guardará nostalgia dos pombos de sua infância: "Eram quase 800 cabeças", costumava dizer, não sem uma pontinha de tímido orgulho...
Catarina Labouré (pronuncia-se "Laburrê") veio ao mundo em 1806, na província francesa da Borgonha, sob o céu de Fain-les-Moutiers, onde seu pai possuía uma fazenda e outros bens. Aos nove anos perdeu a mãe, uma distinta senhora pertencente à pequena burguesia local, de espírito cultivado e alma nobre, e de um heroísmo doméstico exemplar. Abalada pelo rude golpe, desfeita em lágrimas, Catarina abraça uma imagem da Santíssima Virgem e exclama: "De agora em diante, Vós sereis minha mãe!"
Nossa Senhora não decepcionará a menina que se entregava a Ela com tanta devoção e confiança. A partir de então, adotou-a como filha dileta, alcançando-lhe graças superabundantes que só fizeram crescer sua alma inocente e generosa. Essa encantadora guardiã de pombos, em cujos límpidos olhos azuis se estampavam a saúde, alegria e vida, assim como a gravidade e sensatez advindas das responsabilidades que cedo pesaram sobre seus jovens ombros, essa pequena dona-de-casa modelo (e ainda iletrada) teve seus horizontes interiores abertos para a contemplação e a ascese, conducentes a uma hora de suprema magnificência


Desde a sua entrada no convento da rue du Bac, Catarina Labouré foi favorecida por numerosas visões: o Coração de São Vicente, Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, o Cristo Rei e a Santíssima Virgem. Apesar da importância das outras aparições, devemos nos deter nas da Rainha Celestial. A primeira teve lugar na noite de 18 para 19 de julho de 1830, data em que as Filhas da Caridade celebram a festa de seu santo Fundador. De tudo quanto então sucedeu, deixou Catarina minuciosa descrição:
A Madre Marta nos falara sobre a devoção aos santos, em particular sobre a devoção à Santíssima Virgem - o que me deu desejo de vê-La - e me deitei com esse pensamento: que nessa noite mesmo, eu veria minha Boa Mãe. Como nos haviam distribuído um pedaço do roquete de linhMae da Divina Graça_.jpgo de Sã Vicente, cortei a metade e a engoli, adormecendo com o pensamento de que São Vicente me obteria a graça de contemplar a Santíssima Virgem. Enfim, às onze e meia da noite, ouvi alguém me chamar:
- Irmã Labouré! Irmã Labouré!
Acordando, abri a cortina e vi um menino de quatro a cinco anos, vestido de branco, que me disse:
- Levantai-vos depressa e vinde à Capela! A Santíssima Virgem vos espera.
Logo me veio o pensamento de que as outras irmãs iam me ouvir. Mas, o menino me disse:
- Ficai tranqüila, são onze e meia; todas estão profundamente adormecidas. Vinde, eu vos espero.
Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino, que permanecera de pé sem se afastar da cabeceira de meu leito. Eu o segui. Sempre à minha esquerda, ele lançava raios de claridade por todos os lugares onde passávamos, nos quais os candeeiros estavam acesos, o que muito me espantava. Porém, muito mais surpresa fiquei ao entrar na capela: logo que o menino tocou a porta com a ponta do dedo, ela se abriu. E meu espanto foi ainda mais completo quando vi todas as velas e castiçais acesos, o que me recordava a missa de meia-noite. Entretanto, eu não via a Santíssima Virgem.
O menino me conduziu para dentro do santuário, até o lado da cadeira do diretor espiritual*. Ali me ajoelhei, enquanto o menino continuou de pé. Como o tempo de espera estava me parecendo longo, olhei para a galeria para ver se as irmãs encarregadas da vigília noturna não passavam por ali.
Por fim, chegou o momento. O menino me alertou, dizendo:
- Eis a Santíssima Virgem! Ei-La!
Nesse instante, Catarina ouve um ruído, como o frufru de um vestido de seda, vindo do alto da galeria. Levanta os olhos e vê uma senhora com um traje cor de marfim, que se prosterna diante do altar e vem se sentar na cadeira do Padre Diretor.
A vidente estava na dúvida se Aquela era Nossa Senhora. O menino, então, não mais com timbre infantil, mas com voz de homem e em tom autoritário, disse:
- Eis a Santíssima Virgem!
A Irmã Catarina recordaria depois:
Dei um salto para junto d'Ela, ajoelhando-me ao pé do altar, com as mãos apoiadas nos joelhos de Nossa Senhora... Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível exprimir tudo quanto senti.
Ela disse como me devo conduzir face a meu diretor espiritual, como me comportar em meus sofrimentos vindouros, mostrando-me com a mão esquerda o pé do altar, onde eu devo vir me lançar e expandir meu coração. Lá receberei todas as consolações de que necessito. Eu Lhe perguntei o que significavam todas as coisas que vira e Ela me explicou tudo:
- Minha filha, Deus quer te encarregar de uma missão. Terás muito que sofrer, porém hás de suportar, pensando que o farás para a glória de Deus. Saberás (discernir) o que é de Deus. Serás atormentada, até pelo que disseres a quem está encarregado de te dirigir. Serás Nossa Senhora e Santa Catarina Laboure.jpgcontraditada, mas terás a graça. Não temas. Dize tudo com confiança e simplicidade. Serás inspirada em tuas orações. O tempo atual é muito ruim. Calamidades vão se abater sobre a França. O trono será derrubado. O mundo inteiro se verá transtornado por males de todo tipo (a Santíssima Virgem tinha um ar muito entristecido ao dizer isso). Mas venham ao pé deste altar: aí as graças serão derramadas sobre todas as pessoas, grandes e pequenas, particularmente sobre aquelas que as pedirem com confiança e fervor. O perigo será grande, porém não deves temer: Deus e São Vicente protegerão esta
 Comunidade.





Graças abundantes e novas provações
Retornemos àqueles maravilhosos momentos na capela da rue du Bac, na noite de 18 para 19 de julho, quando Santa Catarina, com as mãos apoiadas sobre os joelhos de Nossa Senhora, ouvia a mensagem que Ela lhe trazia do Céu. Dando prosseguimento às suas narrativas, a vidente recorda estas palavras da Mãe de Deus:
Nossa Sra das Graças.jpg- Minha filha, agrada-me derramar minhas graças sobre esta Comunidade em particular. Eu a amo muito. Sofro, porque há grandes abusos e relaxamento na fidelidade à Regra, cujas disposições não são observadas. Dize-o ao teu encarregado. Ele deve fazer tudo o que lhe for possível para recolocar a Regra em vigor. Comunica-lhe, de minha parte, que vigie sobre as más leituras, as perdas de tempo e as visitas.
Retomando um aspecto tristonho, Nossa Senhora acrescentou:
- Grandes calamidades virão. O perigo será imenso. Não temas, Deus e São Vicente protegerão a comunidade. Eu mesma estarei convosco. Tenho sempre velado por vós e vos concederei muitas graças. Momento virá em que pensarão estar tudo perdido. Tende confiança, Eu não vos abandonarei. Conhecereis minha visita e a proteção de Deus e de São Vicente sobre as duas comunidades. Não se dará o mesmo, porém, com outras Congregações. Haverá vítimas (ao dizer isto, a Santíssima Virgem tinha lágrimas nos olhos). Haverá bastante vítimas no clero de Paris... O Arcebispo morrerá. Minha filha, a Cruz será desprezada e derrubada por terra. O sangue correrá. Abrir-se-á de novo o lado de Nosso Senhor. As ruas estarão cheias de sangue. O Arcebispo será despojado de suas vestimentas (aqui a Santíssima Virgem não podia mais falar; o sofrimento estava estampado em sua face). Minha filha, o mundo todo estará na tristeza.
Ouvindo estas palavras, pensei quando isto ocorreria. E compreendi muito bem: quarenta anos.

Nova confirmação: a "Comuna de Paris"

De fato, quatro décadas depois, no fim de 1870, a França e a Alemanha se enfrentaram num sangrento conflito, em que a superioridade de armamentos e de disciplina militar deram às forças germânicas uma fulminante vitória sobre o mal treinado exército francês. Em conseqüência da derrota, novas convulsões político-sociais arrebentaram em Paris, perpetradas por um movimento conhecido sob o nome de "Comuna". Tais desordens deram lugar a outras violentas perseguições religiosas.
Conforme Nossa Senhora previra, foi fuzilado no cárcere o Arcebispo de Paris, Monsenhor Darboy. Pouco depois, os rebeldes assassinaram vinte dominicanos e outros reféns, clérigos e soldados. Entretanto, os Lazaristas e as Filhas da Caridade mais uma vez atravessaram incólumes esse período de terror, exatamente como a Santíssima Virgem prometera a Santa Catarina: "Minha filha, conhecereis minha visita e a proteção de Deus e de São Vicente sobre as duas comunidades. Mas, não se dará o mesmo com outras Congregações."
Enquanto as demais irmãs eram tomadas de pavor em meio aos insultos, injúrias e perseguições dos anarquistas da Comuna, Santa Catarina era a única a não ter medo: "Esperai" - dizia?-?, "a Virgem velará por nós... Não nos acontecerá nenhum mal!" E mesmo quando os desordeiros invadiram o convento das Filhas da Caridade e as expulsaram de lá, a santa vidente não apenas assegurou à Superiora que a própria Santíssima Virgem guardaria a casa intacta, mas previu que todas estariam de volta dentro de um mês, para celebrar a festa da Realeza de Maria. Ao retirar-se, Santa Catarina apanhou a coroa da imagem do jardim e disse a ela: "Eu voltarei para vos coroar no dia 31 de maio".
Estas e outras revelações concernentes à Revolução da Comuna realizaram-se pontualmente, conforme foram anunciadas quarenta anos antes por Nossa Senhora.
Mas, retrocedamos àquela bendita noite de julho de 1830, na capela da rue du Bac. Após o encontro com a Mãe de Deus, Santa Catarina não cabia em si de tanta consolação e alegria. Ela recordaria mais tarde:
Não sei quanto tempo lá permaneci. Tudo o que sei é que, quando Nossa Senhora partiu, tive a impressão de que algo se apagava, e apenas percebi uma espécie de sombra que se dirigia para o lado da galeria, fazendo o mesmo percurso pelo qual Ela havia chegado. Levantei-me dos degraus do altar e vi o menino onde ele havia ficado. Disse-me:
- Ela partiu.
Retomamos o mesmo caminho, de novo todo iluminado, o menino conservando-se à minha esquerda. Creio que era meu Anjo da Guarda, que se tornara visível para me fazer contemplar a Santíssima Virgem, atendendo as insistentes súplicas que eu lhe fizera neste sentido. Ele estava vestido de branco e levava consigo uma luz miraculosa, ou seja, estava resplandecente de luz. Sua idade girava em torno de quatro ou cinco anos.
Retornando a meu leito (eram duas horas da manhã, pois ouvi soar a hora), não consegui mais dormir...

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